sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Caráter X Destino

Estava saindo de uma consulta de meu médico quando meu celular tocou. Sim, bem no meio da rua, em um lugar onde poucas pessoas passavam, até porque era extremamente perigoso..maaas...já me consultava com esse médico há anos e esse lugar se tornou perigoso em tão pouco tempo. Não tive medo desses bandidinhos que ficam cheirando cola aqui na porta da clínica,não. Eu continuei andando e disfarçando pra que eles não me perturbassem.
Depois de um certo tempo, eu simplesmente começei a sentir mais e mais necessidadde de voltar mais vezes ao médico... Consequentemente, eu comecei a ver mais e mais aqueles "pivetes" que cheiravam e cheiravam..
Não suportava mais aquela situação, mas como era necessário eu ir pro médico e eu não estava disposta a abrir mão daquilo, continuei seguindo a minha rotina.
Contei pra minha filha que o médico que eu ia era um psicologo e que eu só continuava indo naquele lugar porque eu precisava ver aqueles meninos para eu me lembrar da minha infância dura. Não era fácil pra mim, eu sei. Ver todos aqueles meninos e não fazer nada. Ao longo do tempo que eu passei indo naquele lugar,algo em mim foi me pertubando por dentro..algo foi me dizendo pra eu fazer alguma coisa. Foi quando eu resolvi contar toda a minha história pros meninos.
Cheguei pra um deles e disse:
"ei, você...você mesmo...pode largar esse bagulho aí e me ouvir um instante?" o menino não deu a mínima para o q eu estava dizendo.
"Olha, você já deve ter reparado que eu frequento esta clínica há cinco anos e que eu começei assim como você..era uma menina da favela mesmo. Queria somente mudar a situação dos meus pais e me tornar uma professora pra ensinar o alfabeto pra minha avó..até que eu saí de casa e me envolvi com a prostituição, sim..vendi o meu corpo, perdi meu tempo, tive uma filha com apenas 15 anos com um cara que cheirava cola igualzinho a você..Minha avó foi baleada assim como os meus pais,logo depois que a Julia nasceu. Passei a viver sozinha..o pai dela só me dava o suficiente pra eu comer e pagar as contas de casa. Não abri mão de meu sonho, não mesmo.. Mas não pude tomar muitas atitudes logo depois do nascimento da Julia, então comecei a roubar bancos e me tornar uma pessoa sem escrúpulos de novo, mas com sonho de gente "normal", sabe?..eu só queria ser professora, mais nada. Me senti um monstro porque ser mãe é um exemplo, mas como eu não tinha saída, Julia passou a ser cumplice dos meus atos.Até que fui presa e a minha filha ficou sem um rumo, viveu com uma tia que eu nem lembrava mais que era minha irmã. Depois de sair da cadeia eu podeira ser como mais uma pessoa que não tem pra onde ir e voltar a roubar, sim..podia ser o meu destino..mas..algo dentro de mim não queria mais isso. Então, procurei algum lugar decente, digno pra eu poder recomeçar tudo. Esse psicologo me ensinou que o meu carater me fez uma pessoa melhor. Não importa o que eu fiz no passado, o meu destino já estava traçado em linhas paralelas ao meu caráter. Hoje,eu atendo crianças que possuem o mesmo problema que você, crianças que são viciadas."
Caiu uma lágrima dos olhos do menino.
Ele se sensibilizou..sua história era bem parecida com a que a moça havia lhe contado. Na verdade a moça gritava em seu ouvido e ele nem dava muita atençãono começo, mas quando ele disse que ela era da favela, ele resolveu escutá-la.
[Um dos depoimentos que Giovana deu a imprensa]

Assim é o trabalho de Giovana que abriu uma clínica fantasma e conta essa história em vários lugares. O plano dela é exatamente esse, ter uma clínica, estudar durante alguns anos a vida das crianças cheiradoras de cola e levá-las para a sua instituição. Giovana já foi atriz e encarna bem o personagem de "ex-menina de favela".
E como fica a situação das crianças que foram enganadas...mas que mudaram pra melhor?

Pense nisso.

Um comentário:

Unknown disse...

Mais uma vez, tia Dai ingressando no mundo da narrativa, ou, nesse caso, da narrativa-dissertativa.

Bem, o que eu posso te dizer é que a propaganda que vc fez desse post não foi em vão. É um texto que você termina de ler pela segunda vez e realmente pára pra pensar.
Esse, em particular, faz pensar até q ponto a gente pode dividir as coisas em "Verdade X Mentira". Pode ser, realmente, que a Gigi esteja mentindo quando conta sua "história" para os meninos da favela. É possível pensar assim, mas será que esse pensamento realmente descreve direito a vida da Gi? Eu, pelo menos, prefiro pensar na ação dela como uma verdade escrita por linhas tortas. Assim como um ator "mente" sobre o palco, fingindo ser um personagem, para entreter a sua platéia a Gi "mente" pros meninos, fazendo a vida deles ficar melhor.

Uma mentira dessas, às vezes, é a maior verdade do mundo. Assim como caráter, não necessariamente significa falar a verdade, mas se esforçar pra fazer a vida dos outros uma vida decente. Se esse for o seu destino, pelo menos.